A beatificação de pessoas até pouco tempo vivas mostra, para católicos, que a santidade está ao alcance de todos.
Em menos de 30 dias, a Igreja Católica protagonizará duas celebrações que consagrarão figuras vivas na memória de seus fiéis. A
primeira delas será João Paulo II (1920-2005), que, em 1º de maio, no Vaticano, será beatificado pelo papa Bento XVI. Karol Jozef Wojtyla, o mais midiático dos bispos de Roma, chegará ao altar seis anos após sua morte, um tempo recorde. A rapidez do processo resulta de um decreto baixado pelo próprio João Paulo II em 1983, que desburocratizou os procedimentos da Congregação para a Causa dos Santos - em seus 26 anos de pontificado, ele realizou 483 canonizações, mais do que todos os outros papas nos últimos 400 anos. Em 22 de maio será a vez de Irmã Dulce (1914-1992). Fundadora de uma notável obra social, a baiana Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes receberá o título de Bem- Aventurada Dulce dos Pobres em uma missa no Parque das Exposições de Salvador (BA).
A beatificação de pessoas, até pouco tempo vivas, reflete uma necessidade atual da Igreja Católica: mostrar que os santos vivem no mundo de hoje e a santidade está ao alcance de todos. De fato, se até algum tempo processos de beatificação e canonização demoravam séculos - casos como o de Santo Antônio, santificado 11 meses após a sua morte, eram exceções -, depois da era João Paulo II isso mudou. "A Igreja, nos diz que hoje também é tempo de santidade e podemos aspirar a essa condição. Prova disso é Irmã Dulce, mulher do nosso tempo e cujas marcas estão aí. Ela nasceu e viveu junto ao povo" - testemunha o sacerdote Manoel Filho, assessor da Pascom (Pastoral da Comunicação) da Arquidiocese de Salvador (BA) e coordenador-executivo da cerimônia de beatificação de Irmã Dulce.
Na Bahia, a certeza da rápida beatificação de Irmã Dulce era tanta que ninguém foi pego de surpresa quando, em 27 de outubro do ano passado, o Vaticano reconheceu um milagre atribuído à intercessão do Anjo Bom da Bahia. Esse milagre foi a inexplicável recuperação de uma parturiente sergipana já desenganada após dar à luz um menino e sofrer uma intensa hemorragia. Na prática, o reconhecimento sinalizou a beatificação oficial, confirmada no mesmo
dia por dom Geraldo Majella, então cardeal primaz do Brasil. "Vislumbramos que algo podia acontecer em breve e, começamos, em maio de 2010, a nos preparar. Quando o Vaticano anunciou a data da celebração, estávamos adiantados" - afirma padre Manoel.
A antecipação foi decisiva para o planejamento de uma cerimônia para cerca de 60 mil fiéis que entrará para a história da Igreja no Brasil como um exemplo de organização. Ela envolverá a prefeitura, o governo do estado e 1,5 mil voluntários. Tudo acontecerá sem atropelos. O acesso ao Parque das Exposições de Salvador, em 22 de maio, acontecerá mediante a apresentação de convites já disponíveis nas paróquias da cidade. Cinco mil cadeiras estarão disponíveis para os idosos e portadores de necessidades especiais. O palco da celebração foi projetado pelo arquiteto João Martins e por ele passarão um coral de 250 vozes e mais 800 crianças atendidas pelo Centro Educação Santo Antônio, criado pela nova bem-aventurada. "Ao todo, envolveremos 2,5 mil pessoas" - contabiliza padre Manoel. A celebração será presidida pelo cardeal dom Geraldo Majella, nomeado delegado papal para a cerimônia, e por 500 sacerdotes.
"Irmã Dulce merece" - reconhece o museólogo Osvaldo Gouveia, assessor de Memória e Cultura do Memorial de Irmã Dulce, criado há 18 anos, e que esteve à frente da comissão histórica, Em 2001, Osvaldo entregou à Congregação para a Causa dos Santos um relatório com uma intensa pesquisa sobre Irmã Dulce. "Facilitou o trabalho termos um arquivo detalhado com a vida e a obra da santa" - afirma. Segundo ele, o relatório que encerrou a fase diocesana do processo de beatificação e deu à Irmã Dulce o título de Venerável apresentava mais de 5 mil documentos.
Ainda que para o Vaticano esse trabalho e um milagre tenham sido decisivos para a beatificação, no caso do Anjo Bom da Bahia vale dizer que ela já era tida como santa ainda em vida por sua obra. À frente da Osir (Obra Social de Irmã Dulce) há 20 anos, sua sobrinha, a jornalista Maria Rita Pontes, recorda que o maior hospital do Brasil que atende hoje exclusivamente pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde),
com 1.009 leitos, começou em um galinheiro. "Nos anos 1940, as autoridades deram um ultimato à minha tia: parar de invadir casas abandonadas para acomodar doentes, não mais atendê-los debaixo dos arcos da Igreja do Bonfim e no Mercado de Peixes. Então ela pediu à madre superiora de sua congregação, a das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, que deixasse 70 doentes em um galinheiro, de forma improvisada, já que não podia abandoná-los" - recorda Maria Rita Pontes .
"Irmã Dulce foi uma Franciscana que abraçou o leproso do seu tempo, os pobres. Nas
décadas mais sangrentas da humanidade, com Hitler e Mussolini, e quando na Bahia, devido às péssimas condições, morria mais criança do que nascia, ela enxergou a necessidade de acolher a quem mais precisava" - explica o frei Mário Sérgio dos Santos, pesquisador da vida de Irmã Dulce. Para ele, o legado da religiosa é seu maior milagre. "Tudo é gratuito. Nela está a última porta que o pobre bate, a primeira que se abre e nunca se fecha" - resume. "Nosso
compromisso com a Irmã Dulce é atender, exclusivamente, os vulneráveis" - confirma Maria Rita.
Localizado na chamada Cidade Baixa de Salvador, no Largo de Roma, o Hospital Santo Antônio é hoje referência nacional nas áreas de clínica médica, pediatria e cirurgia geral. Em seus ambulatórios e nas demais unidades da Osir são atendidas, diariamente, 4 mil pessoas. "Fechamos 2009 com mais de 5 milhões de atendimentos e os números de 2010 devem chegar a 5,5 milhões" - afirma a superintendente. Como em toda obra social, porém, isso ainda é pouco. "Nosso espaço está acanhado e deveremos receber, como doação, um terreno vizinho de 9 mil metros quadrados para ampliarmos a missão" - avisa.
Fonte: Revista Família Cristã - Antônio Edson.